Wednesday, August 30, 2006
High Fidelity
Comecei a ler o livro ontem. Devagarinho porque aqui nesta terra parada só me apetece dormir. E lembro-me de ti. Parece que o livro te transpira a cada parágrafo. E começo a perceber porque gostas tanto dele. Passo por partes que já citaste no teu blog e fico ainda com mais vontade de as citar no meu! Está muito lá!
Elogios que não veem
Todos os anos chego aqui com as mesmas esperanças. Todos os anos tudo cai por terra. E a cada ano que passa a desilusão tem um sabor mais amargo. É indiferente se como uma salada ou se vou ao McDonalds - ninguém dá pela diferença. Coca-cola trocada por sumos naturais - nada! Silêncio. É injusto. Aos olhos desta gente ainda sou a criança gorda que assaltava o jarro das bolachas a cada quinze minutos.
Mais tarde, quando fazia a peregrinação por entre bancos e conservatórias (como é costume aqui) apercebi-me: se calhar ser gorda é o meu elogio. Como um legado que eles não podem deixar senão a mim. Pensando bem, tanto os filhos, como as noras, como as netas, tudo saiu magrinho! Até a promessa do sobrinho-maravilha se esvaiu desde que ele se tornou vegetariano. Talvez de certa forma eu seja a herdeira dos genes gordos, embora todos saibamos que o laço de parentesco que os une está tão remoto que tal nunca seria possível na realidade. Se calhar o comentário distorcido ("Ah! isso é porque és gordinha como a prima!" - irrita-me quando as pessoas se referem a si próprias na terceira pessoa!) é mesmo um elogio ternurento.
Mas é um elogio que eu dispenso. Não quero esse rótulo porque me prende ao passado. Porque isso mostra-me como uma criatura vulnerável, triste, meia-adormecida no mundo, insegura e apagada e embora tudo isso seja verdade no passado, hoje seria uma imagem distorcida do presente. Não é que eu deseje renegar o passado, eu só não quero ser o passado. Já não sou uma menina gorda. Quanto muito sou uma rapariga gorda (apesar de o adjectivo ser já muito forte para mim! =D ). E isso faz toda a diferença.
Mais tarde, quando fazia a peregrinação por entre bancos e conservatórias (como é costume aqui) apercebi-me: se calhar ser gorda é o meu elogio. Como um legado que eles não podem deixar senão a mim. Pensando bem, tanto os filhos, como as noras, como as netas, tudo saiu magrinho! Até a promessa do sobrinho-maravilha se esvaiu desde que ele se tornou vegetariano. Talvez de certa forma eu seja a herdeira dos genes gordos, embora todos saibamos que o laço de parentesco que os une está tão remoto que tal nunca seria possível na realidade. Se calhar o comentário distorcido ("Ah! isso é porque és gordinha como a prima!" - irrita-me quando as pessoas se referem a si próprias na terceira pessoa!) é mesmo um elogio ternurento.
Mas é um elogio que eu dispenso. Não quero esse rótulo porque me prende ao passado. Porque isso mostra-me como uma criatura vulnerável, triste, meia-adormecida no mundo, insegura e apagada e embora tudo isso seja verdade no passado, hoje seria uma imagem distorcida do presente. Não é que eu deseje renegar o passado, eu só não quero ser o passado. Já não sou uma menina gorda. Quanto muito sou uma rapariga gorda (apesar de o adjectivo ser já muito forte para mim! =D ). E isso faz toda a diferença.
Monday, August 28, 2006
Dias de Cinderela
Há dias - poucos, mas há dias! - em que me sinto uma Cinderela. Olho para mim no espelho, saia branca e top rosa creme, tudo muito suave para enaltecer a pele levemente tostada. Cabelo levemente encaracolado, como deve ser. Assim olhando de relance para o meu reflexo na rua lembro-me da minha mãe. Estampada em mim. Sabe bem sentir-me um pouco mais feminina!
Cantinhos
Há tantos cantinhos em casa. Sítios para tudo. Como um felino que marca o seu território eu escolho os meus para cada coisa. Aquela cadeira de baloiço cuja almofada é já o molde do meu rabo. Coloquei uma pequena aparelhagem na cozinha para quando cozinho. O frasco para as bolinhas de sabão está guardado no parapeito da varanda.
A noite tocou à pouco as duas da manhã. A casa dorme. Eu sento-me na cadeira de baloiço, com o candeeiro perto de mim para poder ler. Coloco suave um cd de jazz, daqueles para fazer companhia. Acendo duas velas porque hoje me apetece. Perco-me nas páginas do meu livro... Pausa para chá... Volto-me a sentar, caneca na mão, a apreciar a calma e o sossego. Isto parece algo que li naquele livro.
De certa forma este momentos são uma das verdadeiras essências do carpe diem. Um dolce farniente que daqui a poucas semanas vou deixar de ter por muito, muito tempo. Por agora baloiço-me na minha (tão minha já!) cadeira de baloiço, uma caneca de chá nas mãos e um livro no regaço.
A noite tocou à pouco as duas da manhã. A casa dorme. Eu sento-me na cadeira de baloiço, com o candeeiro perto de mim para poder ler. Coloco suave um cd de jazz, daqueles para fazer companhia. Acendo duas velas porque hoje me apetece. Perco-me nas páginas do meu livro... Pausa para chá... Volto-me a sentar, caneca na mão, a apreciar a calma e o sossego. Isto parece algo que li naquele livro.
De certa forma este momentos são uma das verdadeiras essências do carpe diem. Um dolce farniente que daqui a poucas semanas vou deixar de ter por muito, muito tempo. Por agora baloiço-me na minha (tão minha já!) cadeira de baloiço, uma caneca de chá nas mãos e um livro no regaço.
Friday, August 25, 2006
Memoirs of a geisha # 4
By this time I was concentrating so hard on holding myself back from crying, I could no longer speak at all.
"Nobu-san is a good man", she said, "and very fond of you."
"Yes, but, Mameha-san... I don't know how to say it... this was never what I imagined!"
"What do you mean? Nobu-san has always treated you kindly."
"But, Mameha-san, I don't want kindness!"
"Don't you? I thought we all wanted kindness. Perhaps what you mean is that you want something more than kindness. And that is something you're in no position to ask."
Of course, Mameha was quite right. When I heard these words, my tears simply broke through the fragile wall that had held them, and with a terrible feeling of shame, I laid my head upon the table and let them drain out of me. Only when I'd composed myself afterward did Mameha speak.
"What did you expect, Sayuri?" she asked.
"Something besides this!"
[...]
"You're eighteen years old, Sayuri," she went on. "Neither you nor I can know your destiny. You may never know it! Destiny isn't always like a party at the end of the evening. Sometimes it's nothing more than struggling through life from day to day."
"But, Mameha-san, how cruel!"
"Yes, it is cruel," she said. "But none of us can escape destiny."
"Please, it isn't a matter of escaping my destiny, or anything of that sort. Nobu-san is a good man, just as you say. I know I should feel nothing more than gratitude for his interest, but... there are so many things I've dreamed about."
"And you're afraid that once Nobu has touched you, after that they can never be? Really, Sayuri, what did you think life as a geisha would be like? We don't become geisha so our lives will be satisfying. We become geisha because we have no other choice."
"Oh, Mameha-san... please... have I really been so foolish to keep my hopes alive that perhaps one day -"
"Young girls hope all sorts of foolish things, Sayuri. Hopes are like hair ornaments. Girls want to wear too many of them. When they become old women they look silly wearing even one."
Arthur Golden
"Nobu-san is a good man", she said, "and very fond of you."
"Yes, but, Mameha-san... I don't know how to say it... this was never what I imagined!"
"What do you mean? Nobu-san has always treated you kindly."
"But, Mameha-san, I don't want kindness!"
"Don't you? I thought we all wanted kindness. Perhaps what you mean is that you want something more than kindness. And that is something you're in no position to ask."
Of course, Mameha was quite right. When I heard these words, my tears simply broke through the fragile wall that had held them, and with a terrible feeling of shame, I laid my head upon the table and let them drain out of me. Only when I'd composed myself afterward did Mameha speak.
"What did you expect, Sayuri?" she asked.
"Something besides this!"
[...]
"You're eighteen years old, Sayuri," she went on. "Neither you nor I can know your destiny. You may never know it! Destiny isn't always like a party at the end of the evening. Sometimes it's nothing more than struggling through life from day to day."
"But, Mameha-san, how cruel!"
"Yes, it is cruel," she said. "But none of us can escape destiny."
"Please, it isn't a matter of escaping my destiny, or anything of that sort. Nobu-san is a good man, just as you say. I know I should feel nothing more than gratitude for his interest, but... there are so many things I've dreamed about."
"And you're afraid that once Nobu has touched you, after that they can never be? Really, Sayuri, what did you think life as a geisha would be like? We don't become geisha so our lives will be satisfying. We become geisha because we have no other choice."
"Oh, Mameha-san... please... have I really been so foolish to keep my hopes alive that perhaps one day -"
"Young girls hope all sorts of foolish things, Sayuri. Hopes are like hair ornaments. Girls want to wear too many of them. When they become old women they look silly wearing even one."
Arthur Golden
Thursday, August 24, 2006
Tempestades herméticas
O corpo treme. As lágrimas caem. A raiva propaga-se por mim como electricidade num poste de metal. Não tenho palavras, apenas uma explosão nuclear dentro do peito. Não há palavras, nem argumentos, nem gritos. Parece que tudo se passa apenas cá dentro. O grito de independência soa urgente como um urro. Pôr as minhas coisas numa mala e sair porta fora. O destino nem interessa. Não posso. Ou por outra, não quero. Não suportaria a humilhação de ter de voltar. As lágrimas escorrem-me pela face.
Há discussões que são como becos sem saída. Nenhuma das partes vai dar a mão à palmatória, e ambas sabem disso. Mas há discussões que são sujas, como um punhado de areia nos olhos. É o mais azedo, o mais àcido, o mais amargo. Quando ele me vira as costas e me dá por vencida. Ele não foge; ignora-me e diminui-me. E no entanto eu não estou derrotada. Continuo a defender o que acho correcto com a mesma força e constância. Mas olha para mim como se fosse uma menina tola e é só! Os meus argumentos são um turbilhão confuso que ele finge não sentir.
É como um burro de palas que só vê o caminho a direito. É teimoso como uma manada de vacas parada no meio da estrada. É crónico. Por vezes penso que por muito que eu cresça e evolua, voltarei sempre a ter doze anos nas horas de tempestade.
Há discussões que são como becos sem saída. Nenhuma das partes vai dar a mão à palmatória, e ambas sabem disso. Mas há discussões que são sujas, como um punhado de areia nos olhos. É o mais azedo, o mais àcido, o mais amargo. Quando ele me vira as costas e me dá por vencida. Ele não foge; ignora-me e diminui-me. E no entanto eu não estou derrotada. Continuo a defender o que acho correcto com a mesma força e constância. Mas olha para mim como se fosse uma menina tola e é só! Os meus argumentos são um turbilhão confuso que ele finge não sentir.
É como um burro de palas que só vê o caminho a direito. É teimoso como uma manada de vacas parada no meio da estrada. É crónico. Por vezes penso que por muito que eu cresça e evolua, voltarei sempre a ter doze anos nas horas de tempestade.
Wednesday, August 23, 2006
Memoirs of a geisha # 3
I'm ashamed to admit how hard I'd worked over the years to keep from thinking about Satsu, and my father and mother, and our tipsy house on the sea cliffs. I'd been like a child with my head in a bag. All I'd seen day after day was Gion, so much so that I'd come to think Gion was everything, and that the only thing that mattered in the world was Gion. But now that I was outside Kyoto, I could see that for most people life had nothing to do with Gion at all; and of course, I couldn't stop from thinking of the other life I'd once led. Grief is a most peculiar thing; we're so helpless in the face of it. It's like a window that will simply open of its own accord. The room grows cold, and we can do nothing but shiver. But it opens a little less each time, and a little less; and one day we wonder what has become of it.
Arthur Golden
Arthur Golden
Sunday, August 20, 2006
Joaninha
A Joaninha... joaninha... De anónima passei a ser a cassula outra vez. A Joaninha... Sinto bem ali... Confortável dentro daquele diminutivo, com aquele tom meigo.
Então que idade Tens? (...) Vinte? (grande, grande abraço) Oh! Vinte anos! ninguém tem vinte anos hoje em dia! Oh Joaninha...
Sinto tanta coisa...
Tenho medo desse mundo grande do qual eles falam. As ruas de Londres como as de Lisboa - Ah, então isso é na ... Street! Fazes assim: chegas ao ..., viras à direita quando chegares ao ... e depois quando vires o ... é só atravessares a rua!
Olha, o Zé vai viver para a Bélgica. Como se fosse conversa de café, como se fosse normal, como se as pessoas não deixassem um buraco, como se a Bélgica fosse aqui ao lado, em Cascais ou no Porto, como se fôssemos visitar o Zé quando nos desse na real gana!
Olhem, e se fossêmos passar o ano novo a casa da Sofia a Londres ou a casa do Zé na Bélgica?
Tenho pena de não poder pegar na mochila e sair com eles, para Londres, para o Andanças, para Cuba, para as viagens que organizam assim do nada para amanhã. Histórias que posso apenas ouvir. Fotografias onde começo a aparecer, de presença ainda periclitante. Sou a Joaninha! Com um income bastante modesto, à pendura pelas vossas aventuras quando posso.
Nestas alturas queria ser verdadeiramente livre. Independente. Trabalho com ordenado fixo, carro e casa própria, sem o horário maluco e esferas de amizades tão diferentes. Tudo para poder embarcar convosco nas idas a Barcelona de carro ou nas férias de Verão (fora as férias de família, disse eu naquele instante. - Era isto que eu tinha medo de estar a perder)
Por vezes sinto-me um balão atado a uma pedra.
Oiço duas vozes distintas na minha cabeça:
Mas oh Joana não queiras crescer depressa demais. Tu tens vinte anos, eles são bem mais velhos que tu, não te esqueças disso!
Sabes Joana, acho que devias reduzir drásticamente a salsa e as tuas amizades salseiras. Tu devias era estar com pessoas da tua idade, sair à noite, arranjar um namorado, divertires-te! Não vais voltar a ter vinte anos outra vez!...
Não sei o que pensar... gosto disto e deles, muito mesmo. Sei que estou a conviver demais com a faixa etária errada. Mas será assim tão grave?? Sim, sinto falta do "namorado", de pessoas da minha idade, mas não consigo subtrair (diminuir sequer) a dança, o convívio inerente cujo lugar ainda não conquistei como queria. O dia não vai passar a ter quarenta e oito horas por muito que eu deseje (e mesmo que tivesse não sei se seria o suficiente!). No fim, tudo ficará bem, farei de tudo um pouco na mesma, esgotando-me até ao tutano, como sempre (só consigo viver assim, por completo), mas a dúvida subsiste...
Então que idade Tens? (...) Vinte? (grande, grande abraço) Oh! Vinte anos! ninguém tem vinte anos hoje em dia! Oh Joaninha...
Sinto tanta coisa...
Tenho medo desse mundo grande do qual eles falam. As ruas de Londres como as de Lisboa - Ah, então isso é na ... Street! Fazes assim: chegas ao ..., viras à direita quando chegares ao ... e depois quando vires o ... é só atravessares a rua!
Olha, o Zé vai viver para a Bélgica. Como se fosse conversa de café, como se fosse normal, como se as pessoas não deixassem um buraco, como se a Bélgica fosse aqui ao lado, em Cascais ou no Porto, como se fôssemos visitar o Zé quando nos desse na real gana!
Olhem, e se fossêmos passar o ano novo a casa da Sofia a Londres ou a casa do Zé na Bélgica?
Tenho pena de não poder pegar na mochila e sair com eles, para Londres, para o Andanças, para Cuba, para as viagens que organizam assim do nada para amanhã. Histórias que posso apenas ouvir. Fotografias onde começo a aparecer, de presença ainda periclitante. Sou a Joaninha! Com um income bastante modesto, à pendura pelas vossas aventuras quando posso.
Nestas alturas queria ser verdadeiramente livre. Independente. Trabalho com ordenado fixo, carro e casa própria, sem o horário maluco e esferas de amizades tão diferentes. Tudo para poder embarcar convosco nas idas a Barcelona de carro ou nas férias de Verão (fora as férias de família, disse eu naquele instante. - Era isto que eu tinha medo de estar a perder)
Por vezes sinto-me um balão atado a uma pedra.
Oiço duas vozes distintas na minha cabeça:
Mas oh Joana não queiras crescer depressa demais. Tu tens vinte anos, eles são bem mais velhos que tu, não te esqueças disso!
Sabes Joana, acho que devias reduzir drásticamente a salsa e as tuas amizades salseiras. Tu devias era estar com pessoas da tua idade, sair à noite, arranjar um namorado, divertires-te! Não vais voltar a ter vinte anos outra vez!...
Não sei o que pensar... gosto disto e deles, muito mesmo. Sei que estou a conviver demais com a faixa etária errada. Mas será assim tão grave?? Sim, sinto falta do "namorado", de pessoas da minha idade, mas não consigo subtrair (diminuir sequer) a dança, o convívio inerente cujo lugar ainda não conquistei como queria. O dia não vai passar a ter quarenta e oito horas por muito que eu deseje (e mesmo que tivesse não sei se seria o suficiente!). No fim, tudo ficará bem, farei de tudo um pouco na mesma, esgotando-me até ao tutano, como sempre (só consigo viver assim, por completo), mas a dúvida subsiste...
Feminilidade por inteiro
Não sei o que veio primeiro. Se os saltos altos, as saias, a confiança, a amizade, o lady styling... Mas o certo é que tudo isto esteve (está) presente, e agora tudo está diferente. O meu amor bifurcou-se, com a força de sempre, cada vez maior, se possível. Não sei ser mais feliz do que já sou na salsa e (agora) na kizomba. Não encontro a menina que começou a dançar à (apenas) dois anos atrás. Já não sou menina. Deixo-a para trás cada vez mais, sobretudo nos últimos meses. Sinto-me mulher, cem por cento, em cada dança. Não é uma questão de já ter experimentado tudo, é uma questão de descoberta, de auto-confiança. De ser verdadeiramente que sou e quem posso ser, sem medos, sem movimentos retraídos. Não sei explicar, não de forma verdadeiramente fidedigna... É preciso ver para crer...
A Joaninha (como eles me chamam) de saltos altos, toda de vermelho, saia daquelas que cada vez que rodam, rodam mesmo!, inteira naquela pista...
Que surpresa ver quem já não via há tanto tempo. Amigos do castelo que ruíu. E aquela frase ficou comigo, como uma recordação preciosa - Oh Joana, nem te reconheci. A sério, nem vi que eras tu, estás tão diferente, mais magra, mais elegante, feminina, confiante... Tu a dançar... Cuidado que ninguém te pára! (sim, foi uma excelente massagem para o ego!)
O meu pai chama-me show off. Sim, quero impressionar os outros. Mas não por querer mostrar que sou boa, mas por querer mostrar como posso ser eu mesma, e como esse eu é tão diferente do que normalmente está à vista. A diferença entre uma coisa e outra é tão ténue que até eu tenho dificuldade em vê-la, mas conseguem perceber? Estará assim tão errado?
Sei que já escrevi sobre isto antes, mas cada vez que o faço ainda parece a primeira vez. Porque é diferente, é uma nova barreira que se transpõe. E hoje não é sobre a salsa. É sobre a kizomba. Sobre ansiar por braços que envolvam o corpo por inteiro, pela sintonia, pelo ritmo... um ritmo que sempre odiei, mas que agora flui no meu sangue, bate no meu coração... Estou drogada, inebriada, completamente viciada na dança... O Patrick Swayze tinha razão! Sem confiança, sem nos deixarmos tocar não é possível. (Já ouço bocas brincalhonas - O que tu queres sei eu! - ) Não sei explicar porque gosto... Este post sabe-me a pouco quando penso, quando ouço kizomba e salsa aqui no pc... Apetece-me levar-vos no bolso em cada saída. Testemunhas da minha felicidade, perceberem a obcessão, o bichinho... Porque eu sei que sou chata com este assunto. Chata e obcessiva. As minhas desculpas, mas não consigo calar o que já está dentro de mim, tão dentro de mim que já confundo com aquilo que já era meu...
A Joaninha (como eles me chamam) de saltos altos, toda de vermelho, saia daquelas que cada vez que rodam, rodam mesmo!, inteira naquela pista...
Que surpresa ver quem já não via há tanto tempo. Amigos do castelo que ruíu. E aquela frase ficou comigo, como uma recordação preciosa - Oh Joana, nem te reconheci. A sério, nem vi que eras tu, estás tão diferente, mais magra, mais elegante, feminina, confiante... Tu a dançar... Cuidado que ninguém te pára! (sim, foi uma excelente massagem para o ego!)
O meu pai chama-me show off. Sim, quero impressionar os outros. Mas não por querer mostrar que sou boa, mas por querer mostrar como posso ser eu mesma, e como esse eu é tão diferente do que normalmente está à vista. A diferença entre uma coisa e outra é tão ténue que até eu tenho dificuldade em vê-la, mas conseguem perceber? Estará assim tão errado?
Sei que já escrevi sobre isto antes, mas cada vez que o faço ainda parece a primeira vez. Porque é diferente, é uma nova barreira que se transpõe. E hoje não é sobre a salsa. É sobre a kizomba. Sobre ansiar por braços que envolvam o corpo por inteiro, pela sintonia, pelo ritmo... um ritmo que sempre odiei, mas que agora flui no meu sangue, bate no meu coração... Estou drogada, inebriada, completamente viciada na dança... O Patrick Swayze tinha razão! Sem confiança, sem nos deixarmos tocar não é possível. (Já ouço bocas brincalhonas - O que tu queres sei eu! - ) Não sei explicar porque gosto... Este post sabe-me a pouco quando penso, quando ouço kizomba e salsa aqui no pc... Apetece-me levar-vos no bolso em cada saída. Testemunhas da minha felicidade, perceberem a obcessão, o bichinho... Porque eu sei que sou chata com este assunto. Chata e obcessiva. As minhas desculpas, mas não consigo calar o que já está dentro de mim, tão dentro de mim que já confundo com aquilo que já era meu...
Saturday, August 19, 2006
Memoirs of a geisha # 2
(esta imagem arrepia! realmente tanto o livro (até agora) como o filme valem muito a pena)
Molhei o livro. Fiquei danada comigo e tão triste... Ali parada com aquela carcaça encarquilhada nas mãos. Vais secar... Mais ou menos... Nunca ficarás como antes - esperam-te as rugas, a humidade que não vai passar e o bolor que há-de vir. E não sei que faça. Não consigo deitar um livro fora, simplesmente não consigo. Mas também não consigo andar contigo assim nesse estado... manchado, e eu com medo que as páginas se desfaçam nas minhas mãos... Vou comprar outro, com algum esforço económico... Quanto a ti... não sei que fazer contigo...
Se alguém quiser adoptar um livro encharquilhado... não me parece...
Thursday, August 17, 2006
Memoirs of a geisha
(...) "Pumpkin assembled her shamisen and began to tune it with her tongue poking out, but I'm sorry to say that her ear was very poor, and the notes went up and down like a boat on the waves, without ever settling down where they were supposed to be. Soon the classroom was full of girls with their shamisens, spaced out as neatly as chocolates in a box."
Arthur Golden
Este livro tem as metáforas mais amorosas que eu já li... E é engraçado por ser um tema tão pesado, mas sempre descrito de forma tão leve...
Arthur Golden
Este livro tem as metáforas mais amorosas que eu já li... E é engraçado por ser um tema tão pesado, mas sempre descrito de forma tão leve...
Camisa negra
Essa música que anda sempre a passer por aí, “Camisa negra”, makes me tick! Trás memórias... Cada vez que oiço a música sorrio e lembro-me de tantos braços... Não há nada mais sexy do que dançar com um homem de camisa negra! É logo outro clima.
Passion for...
Adoro o novo anúncio da Carte d’Or, o do pessoal a pertilhar colheres. Deixa-me sempre bem disposta! Alguém sabe qual o nome ou interprete da música? Se sim, por favor, gostaria imenso de saber...
"Serra" da minha infância
“A cidade e as serras” lido em Lisboa. Porque não poderia ser de outra forma. Pelo menos não aqui, em pleno Alentejo. Soaria a hipocrisia. Esta calma não é doce; é insonsa! Não passa um carro, um pássaro, nada! É arrepiante e desolador o tempo nesta vila fantasma. Não consigo ler de tão esmagador o ruído do silêncio.
Fecho os olhos e relembro. Memórias que surgem desordenadas. A ruazinha da minha ternura. Uns poucos de metros de casas caiadas de branco (aquele branco alvo) de cada lado. E no cimo, como uma cereja no topo de um gelado dos caros, o castelo das minhas brincadeiras. A ti Caternita com os bolinhos de milho tostados, a casa do Miguel por onde eu entrava pela janela, porque já era da casa e não precisava de convite ou aviso.
E aquela vista. Montes e montes uns atrás dos outros, sentada num banco de pedra, almofadado pelas bunganvílias que cresciam de dar gosto! Onde um livro hoje seria bem-vindo. Como eu corria! Trepava as árvores para apanhar as pêras (na verdade isso era o Miguel que fazia porque eu tenho medo das alturas e só trepava baixinho sem chegar lá). Encharcava-me toda de cada vez que tentava beber daqueles bebedouros que estavam sempre pêrros. E esperava pelo fim da tarde para a velhinha do castelo me vender um gelado modesto.
O grito estridente da gorda da Alice a anunciar o almoço com uma terrina de açorda nas mãos. A doce da Alice! A sala de jantar que em mais de vinte anos não mudou, a não ser pelas pessoas nas molduras, que cresciam. Os pacotes de "boca doce" que se acumulavam na cozinha. A figura miudinha do meu tio. De fato e gravata no pico do Verão, como uma personagem num quadro pintado que não muda de roupa.
Senhoras de idade sentadas em cadeiras de praia em frente das casas, umas com leques, outra com fios branquissímos de renda e agulhas reluzentes. Queimam ali as tardes, estação após estação enquanto os dias mornos o permitirem. Conversam, desdentadas, com o seu sotaque pachorrento. As antigas bonecas da minha tia com as quais eu também brinquei. A minha mãe. Num vestido fresco que ainda guardo no fundo do meu armário. Cabelo solto e natural, como a própria vila.
O grande adro da igreja, para a procissão de mexericos que decorria sempre antes e depois da missa. Aquela paisagem amarela a perder de vista com um ocasional sobreiro. Eu pequenina no carro gritando: “Olha pai, vacas!” ... pequenas terras que passavam. Terrinhas com nomes mimosos como “Forninhos” ou “Cabaças”...
Dias plácidos que eu sabia encher. Que aquela pequena vila sabia encher. Uma enorme família de comadres e compadres onde o tempo passava mas a evolução ficava lá fora. Lembro-me de o meu tio ser um dos poucos a ter telefone. De as pessoas passarem lá por casa para utilizar o dito objecto.
Mas o tempo e a evolução passaram fora das muralhas invisíveis. E a vilazinha desertificou-se, como uma árvore perdendo as folhas quando chega o Outono. Agora, no Inverno da sua vida, a terrinha da minha infância são velhos e teias de aranha. Tradições moribundas que se arrastam sem esplendor, como um véu rasgado.
As procissões diminuem o seu trajecto porque os homens não têem a força de antigamente para carregar o andor e as mulheres não têem pernas rijas para os seguir. O meus velhos baloiços, o escorrega, o sobe-e-desce – tudo arrancado do castelo. Agora só ficou areia velha e as fotografias carregadas de memórias. A vila está seca como um poço sem utilidade!
Despeguei-me dessa terra outrora tão amada na esperança de guardar apenas as lembranças de risos e sestas. Leio “A cidade e as serras” na cidade, numa cadeira de baloiço com uma caneca de chá. E relembro aqui essas memórias sumarentas como um pêssego fresco no Verão. Aqui, com a força dos sentidos relembrados, vibrantes, sem me preocurar se correspondem à verdade de agora ou não. E assim me deixo adormecer com os meus fantasmas adocicados...
Fecho os olhos e relembro. Memórias que surgem desordenadas. A ruazinha da minha ternura. Uns poucos de metros de casas caiadas de branco (aquele branco alvo) de cada lado. E no cimo, como uma cereja no topo de um gelado dos caros, o castelo das minhas brincadeiras. A ti Caternita com os bolinhos de milho tostados, a casa do Miguel por onde eu entrava pela janela, porque já era da casa e não precisava de convite ou aviso.
E aquela vista. Montes e montes uns atrás dos outros, sentada num banco de pedra, almofadado pelas bunganvílias que cresciam de dar gosto! Onde um livro hoje seria bem-vindo. Como eu corria! Trepava as árvores para apanhar as pêras (na verdade isso era o Miguel que fazia porque eu tenho medo das alturas e só trepava baixinho sem chegar lá). Encharcava-me toda de cada vez que tentava beber daqueles bebedouros que estavam sempre pêrros. E esperava pelo fim da tarde para a velhinha do castelo me vender um gelado modesto.
O grito estridente da gorda da Alice a anunciar o almoço com uma terrina de açorda nas mãos. A doce da Alice! A sala de jantar que em mais de vinte anos não mudou, a não ser pelas pessoas nas molduras, que cresciam. Os pacotes de "boca doce" que se acumulavam na cozinha. A figura miudinha do meu tio. De fato e gravata no pico do Verão, como uma personagem num quadro pintado que não muda de roupa.
Senhoras de idade sentadas em cadeiras de praia em frente das casas, umas com leques, outra com fios branquissímos de renda e agulhas reluzentes. Queimam ali as tardes, estação após estação enquanto os dias mornos o permitirem. Conversam, desdentadas, com o seu sotaque pachorrento. As antigas bonecas da minha tia com as quais eu também brinquei. A minha mãe. Num vestido fresco que ainda guardo no fundo do meu armário. Cabelo solto e natural, como a própria vila.
O grande adro da igreja, para a procissão de mexericos que decorria sempre antes e depois da missa. Aquela paisagem amarela a perder de vista com um ocasional sobreiro. Eu pequenina no carro gritando: “Olha pai, vacas!” ... pequenas terras que passavam. Terrinhas com nomes mimosos como “Forninhos” ou “Cabaças”...
Dias plácidos que eu sabia encher. Que aquela pequena vila sabia encher. Uma enorme família de comadres e compadres onde o tempo passava mas a evolução ficava lá fora. Lembro-me de o meu tio ser um dos poucos a ter telefone. De as pessoas passarem lá por casa para utilizar o dito objecto.
Mas o tempo e a evolução passaram fora das muralhas invisíveis. E a vilazinha desertificou-se, como uma árvore perdendo as folhas quando chega o Outono. Agora, no Inverno da sua vida, a terrinha da minha infância são velhos e teias de aranha. Tradições moribundas que se arrastam sem esplendor, como um véu rasgado.
As procissões diminuem o seu trajecto porque os homens não têem a força de antigamente para carregar o andor e as mulheres não têem pernas rijas para os seguir. O meus velhos baloiços, o escorrega, o sobe-e-desce – tudo arrancado do castelo. Agora só ficou areia velha e as fotografias carregadas de memórias. A vila está seca como um poço sem utilidade!
Despeguei-me dessa terra outrora tão amada na esperança de guardar apenas as lembranças de risos e sestas. Leio “A cidade e as serras” na cidade, numa cadeira de baloiço com uma caneca de chá. E relembro aqui essas memórias sumarentas como um pêssego fresco no Verão. Aqui, com a força dos sentidos relembrados, vibrantes, sem me preocurar se correspondem à verdade de agora ou não. E assim me deixo adormecer com os meus fantasmas adocicados...
Carta
Eis que te procuro agora como nunca, te espero agora como nunca. Se tu viesses... A casa fica no meio de oliveiras e de um quintal de verdura. O tempo não passa por ela distraído, e demora-se sempre um pouco. Quando é pela primavera, há flores nas macieiras e pintainhos novos pelo pátio. E quando é o verão, há as manhãs solenes, e quando é o outono, o ouro das colheitas. Lembro essas manhãs e o brilho fresco da água pelas noites sufocantes de Julho, e o frémito da terra na hora do recomeço. Meu pai, quando parti, disse-me:
- Volta.
Minha mãe olhava-me em silêncio, dorida, e todavia serena como se detivesse o fio do meu destino, ou soubesse, da sua carne, que tudo estava certo com a vida: o nascer, o partir, o morrer.
- Volta – repetiu ainda o meu pai.
Eis que volto, enfim, nesta tarde de inverno, e o ciclo se fechou. Abro as portas da casa deserta, abro as janela e a varanda. No quintal as ervam crescem com as sombras, as oliveiras têm a cor escura do céu. Em baixo, no chão húmido ao pé da loja, há restos de ferragem enferrujada: um sacho sem cabo, um aro de pipa, um regador. Meu pai amava a terra. Lembro-me de o ajudar a podar o pequeno corrimão de videiras, de lhe ir encher o regador para o cebolo novo. Minha mãe olhava-nos da varanda e os três sabíamos uns dos outros no silêncio dos corações. Pensei, sofri, lutei. Mas de tudo o que aconteceu é como se nada me tivesse acontecido. Alguém me imcumbiu do que fiz, muito antes de eu nascer, quando outros homens, outra gente, acabavam a tarefa que eu havia de começar. Essa tarefa deixo-a aos que vierem depois. De tudo, ficou-me apenas esta voz humilde que ouço, que ouço.
- Se voltares – tu o dizias.
Aqui estou. Acendo lenha no fogão e as chamas crescem como uma memória antiga. Silêncio bom. Como outrora. Como quando nada tínhamos já a dizer, e estávamos cheios, todavia, da presença um do outro. Estendo as minhas mãos ao calor, e olho, e escuto. O lume enche-as de sangue, acende-as por dentro como brasas. Tu dizias:
- Ninguém conhece as suas mãos. Só talvez as dos outros. E bomter as tuas aqui, com os dedos todos submissos.
Estranhas noites estas de inverno, sem um rumor. Só os cães ladram nas quintas. Discutem pela noite fora até adormecerem. Ouço um já rouco, lá nos confins da noite, agora a falar sozinho, decerto para ter a última palavra. Houve um cão outrora cá em casa. Numa manhã de chuva, achámo-lo à porta da cozinha, todo ensopado, a tiritar. Minha mãe não gostava de cães:
- Sujam tudo, roem tudo.
Enxuguei-o, dei-lhe pão, pus-lhe um nome. Minha mãe resignou-se. Os lavradores levavam-no à caça porque tinha bom faro. Um dia, não sei como, mataram-no com um tiro. Era um cão perdigueiro. Tinha um olhar humano.
A chama apaga-se, a pirâmide de carvões desmorona-se. Os cães adormecem enfim, sob o grande céu de estrelas. Não há lua. Nem vento. Só as estrelas vibram no céu negro de veludo. Se tu viesses. Eu te imagino, desde o fundo do meu cansaço, silenciosa e grave como esta hora final, como um apelo obscuro vindo do abismo do tempo. Um halo de sombra coroa o teu olhar, a tua presença é quente como o fluido da ternura. Tudo em vão, tudo em vão. Ou não bem isso, não bem isso. Alguma coisa me ficara esperando talvez, desde antes e antes, qualquer coisa que eu trazia do lado de lá da vida. Eis que a encontro e me fala e me floresce no sangue e procuro reconhecê-la na tua face. Aqui ao pé do fogão há uma cadeira de braços. Minha mãe sentava-se nela, meu pai nesta em que escrevo. Pelas noites de vento, olhavam o lume, deixavam-se adormecer... Tu dizias:
- É bom terem já dito tudo e reconhecerem-se ainda.
Abro de novo a varnda para a noite, o ar gela-me a face como um espelho. Ao fundo do quintal havia uma figueira grande. Minha mãe «franquejava» xailes e cintas para fora. Eu atava as cintas e balouçava-me na figueira.
- Ah, tu acabas por deitar a figueira abaixo. E já rompeste duas cintas.
Numa noite brava de inverno, a figueira caiu. E minha mãe dizia sempre, daí em diante, que fora de eu me balouçar...
Tanta coisa aconteceu e eu recordo e eu recupero não talvez bem na lembrança, não talvez, mas num apelo indistinto e longínquo e angustiante como o silêncio desta noite. Olho ainda o frémito das estrelas sobre a aridez fria da terra. E penso: «Qualquer coisa vai acontecer de misterioso e grande, qualquer coisa miraculosa se anuncia como a vinda de um Deus.»
- Sim, a esperança é talvez a parte melhor da vida.
Tu o dizias. Eis que porém a minha esperança tem agora a cor do cansaço e da resignação. E de tudo o que pensei e quis que brotasse da terra, de tudo o que foi novo e me comoveu, da agitação do meu sangue, do clamor com que fiquei rouco, da fúria, do choro, da alegria, de tudo o que me deu a conhecer os meus dentes, os meus ossos, as minhas pobres vísceras – a forma que se desenha e que me envolve agora tem o volume quente do seio da piedade. Se amanhã quando me erguesse e pensasse que havia ainda um dia árido a vencer, e outra noite, e outro dia, e quantos dias e quantas noites o tempo guarda para mim, eu de manhã te encontrasse preperando o fogão e o aroma da casa, e te sentasses nesta cadeira ao lado, e os dois nos esquecêssemos de falar, até um dia, até um dia, e nos deixássemos enfim adormecer...
- Volta.
Minha mãe olhava-me em silêncio, dorida, e todavia serena como se detivesse o fio do meu destino, ou soubesse, da sua carne, que tudo estava certo com a vida: o nascer, o partir, o morrer.
- Volta – repetiu ainda o meu pai.
Eis que volto, enfim, nesta tarde de inverno, e o ciclo se fechou. Abro as portas da casa deserta, abro as janela e a varanda. No quintal as ervam crescem com as sombras, as oliveiras têm a cor escura do céu. Em baixo, no chão húmido ao pé da loja, há restos de ferragem enferrujada: um sacho sem cabo, um aro de pipa, um regador. Meu pai amava a terra. Lembro-me de o ajudar a podar o pequeno corrimão de videiras, de lhe ir encher o regador para o cebolo novo. Minha mãe olhava-nos da varanda e os três sabíamos uns dos outros no silêncio dos corações. Pensei, sofri, lutei. Mas de tudo o que aconteceu é como se nada me tivesse acontecido. Alguém me imcumbiu do que fiz, muito antes de eu nascer, quando outros homens, outra gente, acabavam a tarefa que eu havia de começar. Essa tarefa deixo-a aos que vierem depois. De tudo, ficou-me apenas esta voz humilde que ouço, que ouço.
- Se voltares – tu o dizias.
Aqui estou. Acendo lenha no fogão e as chamas crescem como uma memória antiga. Silêncio bom. Como outrora. Como quando nada tínhamos já a dizer, e estávamos cheios, todavia, da presença um do outro. Estendo as minhas mãos ao calor, e olho, e escuto. O lume enche-as de sangue, acende-as por dentro como brasas. Tu dizias:
- Ninguém conhece as suas mãos. Só talvez as dos outros. E bomter as tuas aqui, com os dedos todos submissos.
Estranhas noites estas de inverno, sem um rumor. Só os cães ladram nas quintas. Discutem pela noite fora até adormecerem. Ouço um já rouco, lá nos confins da noite, agora a falar sozinho, decerto para ter a última palavra. Houve um cão outrora cá em casa. Numa manhã de chuva, achámo-lo à porta da cozinha, todo ensopado, a tiritar. Minha mãe não gostava de cães:
- Sujam tudo, roem tudo.
Enxuguei-o, dei-lhe pão, pus-lhe um nome. Minha mãe resignou-se. Os lavradores levavam-no à caça porque tinha bom faro. Um dia, não sei como, mataram-no com um tiro. Era um cão perdigueiro. Tinha um olhar humano.
A chama apaga-se, a pirâmide de carvões desmorona-se. Os cães adormecem enfim, sob o grande céu de estrelas. Não há lua. Nem vento. Só as estrelas vibram no céu negro de veludo. Se tu viesses. Eu te imagino, desde o fundo do meu cansaço, silenciosa e grave como esta hora final, como um apelo obscuro vindo do abismo do tempo. Um halo de sombra coroa o teu olhar, a tua presença é quente como o fluido da ternura. Tudo em vão, tudo em vão. Ou não bem isso, não bem isso. Alguma coisa me ficara esperando talvez, desde antes e antes, qualquer coisa que eu trazia do lado de lá da vida. Eis que a encontro e me fala e me floresce no sangue e procuro reconhecê-la na tua face. Aqui ao pé do fogão há uma cadeira de braços. Minha mãe sentava-se nela, meu pai nesta em que escrevo. Pelas noites de vento, olhavam o lume, deixavam-se adormecer... Tu dizias:
- É bom terem já dito tudo e reconhecerem-se ainda.
Abro de novo a varnda para a noite, o ar gela-me a face como um espelho. Ao fundo do quintal havia uma figueira grande. Minha mãe «franquejava» xailes e cintas para fora. Eu atava as cintas e balouçava-me na figueira.
- Ah, tu acabas por deitar a figueira abaixo. E já rompeste duas cintas.
Numa noite brava de inverno, a figueira caiu. E minha mãe dizia sempre, daí em diante, que fora de eu me balouçar...
Tanta coisa aconteceu e eu recordo e eu recupero não talvez bem na lembrança, não talvez, mas num apelo indistinto e longínquo e angustiante como o silêncio desta noite. Olho ainda o frémito das estrelas sobre a aridez fria da terra. E penso: «Qualquer coisa vai acontecer de misterioso e grande, qualquer coisa miraculosa se anuncia como a vinda de um Deus.»
- Sim, a esperança é talvez a parte melhor da vida.
Tu o dizias. Eis que porém a minha esperança tem agora a cor do cansaço e da resignação. E de tudo o que pensei e quis que brotasse da terra, de tudo o que foi novo e me comoveu, da agitação do meu sangue, do clamor com que fiquei rouco, da fúria, do choro, da alegria, de tudo o que me deu a conhecer os meus dentes, os meus ossos, as minhas pobres vísceras – a forma que se desenha e que me envolve agora tem o volume quente do seio da piedade. Se amanhã quando me erguesse e pensasse que havia ainda um dia árido a vencer, e outra noite, e outro dia, e quantos dias e quantas noites o tempo guarda para mim, eu de manhã te encontrasse preperando o fogão e o aroma da casa, e te sentasses nesta cadeira ao lado, e os dois nos esquecêssemos de falar, até um dia, até um dia, e nos deixássemos enfim adormecer...
Vergílio Ferreira
Monday, August 14, 2006
Relógio biológico
Neste mês de Agosto existem suficientes crianças no Algarve para despertar o meu instinto maternal. Coisinhas fofas a brincar na areia... Infelizmente há crianças a mais. Uma passa o dia todo a cantar os primeiros dois versos do "Parabéns a você" (e digo mesmo TODO!), outro, um puto chamado Júnior (bleeeeegh!) chora por tudo e por nada, outro só responde quando lhe falam do Noddy (já expressei a minha opinião sobre a dita personagem no post lá em baixo...), é um berreiro impossível, e depois correm, passam por cima da toalha, quase me molham os livros (o que claro que me deixa piursa!), e quando uma pessoa tenta entrar no mar calmamente aparecem a correr e a atirar água para cima uns dos outros, deixando imenso "danos colaterais"... E depois adormecem, pacificamente... Riem ou ficam quietos na toalha a comer uma bola de berlim (ainda não percebi o raio da ideia de bolas na praia... aquilo é creme e gordura a mais!...).
Agosto por definição tem demasiados miúdos. Então ando assim, passando os dias nesta bipolaridade...
Agosto por definição tem demasiados miúdos. Então ando assim, passando os dias nesta bipolaridade...
Thursday, August 10, 2006
Nota de férias
É só para avisar os visitantes aqui do espaço que enquanto estiver no Algarve (que nem uma lontra ao sol... hehehehe!) fico-me só por este blog, depois quando voltar logo visitarei as vossas barracas, como lhes chama a Marrocos (sim, porque não tenho dinheiro para gastar em vocês no ponto de internet!...)
Pela mesma razão cada vez que cá venho coloco posts ao peso, assim em quantidades industriais, pelo que vão até lá abaixo para ver se não vos escapou nada... só para o caso de haver algo de interesse, verificar não custa nada!
Até ao meu regresso! *************************
Pela mesma razão cada vez que cá venho coloco posts ao peso, assim em quantidades industriais, pelo que vão até lá abaixo para ver se não vos escapou nada... só para o caso de haver algo de interesse, verificar não custa nada!
Até ao meu regresso! *************************
Reencontro
Vi-te na praia. Como o tempo passou! Desde os meus anos, mas ñão deste ano, dizes tu. E no entanto continuas na mesma. Essa figurinha encolhida e simples, como uma personagem de um livro.
Returquimos frases simples e banais, como se o tempo não nos tivesse esmagado nesta longa ausência. Como sempre nestes encontros casuais (que contigo nunca tive) o tempo parece ter limite (por que será? afinal estamos as duas de férias...)Ficamos a olhar uma para a outra, silenciadas por tanto que há para contar.
E falta aquele abraço efusivo (que mais uma vez nunca tivemos). Não sei porquê... Tu espontâneamente nunca foste de muitos abraços e demonstrações de afecto, talvez se eu te puxasse... mas eu também so demonstro quando me puxam, com pessoas para quem o afecto é quase "banal". E é estranho porque sempre gostei tanto de ti. Só nos falta osangue para sermos irmãs...
Essa tua aparição de ropante deixou-me sem saber por onde (re)começar. Há tanto que quero saber de ti... É impressionante como o tempo parece não ter passado e simultaneamente...
Gostas dos Friends, como já te supunha. Nem precisava de ter perguntado no outro dia. Mas agora não me parece que esse seja o assunto a falar.
Ainda estamos em silêncio. Se não soubesses que tinhas visitas ficava já aí contigo, mesmo que fosse contra as regras de etiqueta (quem precisa delas, anyway?, pelo menos entre nós...). Fixo o sítio onde estás para te procurar todos os dias, na minha caminhada à beira mar. É falta de educação, mas quero-te só para mim!... Depois de tanto tempo afastadas e sabendo de antemão que o teu horário é aida mais impossível que o meu... Quero-te agora! Falta mesmo aquele abraço... Falta tudo o que te (me) aconteceu nestes quase dois anos, falta o tempo que não tivemos...
Amanhã voltarei passear e procurarei por ti, pelo pouco tempo que a etiqueta dos permitir... Depois de te ver não consigo abarcar a saudade...
Returquimos frases simples e banais, como se o tempo não nos tivesse esmagado nesta longa ausência. Como sempre nestes encontros casuais (que contigo nunca tive) o tempo parece ter limite (por que será? afinal estamos as duas de férias...)Ficamos a olhar uma para a outra, silenciadas por tanto que há para contar.
E falta aquele abraço efusivo (que mais uma vez nunca tivemos). Não sei porquê... Tu espontâneamente nunca foste de muitos abraços e demonstrações de afecto, talvez se eu te puxasse... mas eu também so demonstro quando me puxam, com pessoas para quem o afecto é quase "banal". E é estranho porque sempre gostei tanto de ti. Só nos falta osangue para sermos irmãs...
Essa tua aparição de ropante deixou-me sem saber por onde (re)começar. Há tanto que quero saber de ti... É impressionante como o tempo parece não ter passado e simultaneamente...
Gostas dos Friends, como já te supunha. Nem precisava de ter perguntado no outro dia. Mas agora não me parece que esse seja o assunto a falar.
Ainda estamos em silêncio. Se não soubesses que tinhas visitas ficava já aí contigo, mesmo que fosse contra as regras de etiqueta (quem precisa delas, anyway?, pelo menos entre nós...). Fixo o sítio onde estás para te procurar todos os dias, na minha caminhada à beira mar. É falta de educação, mas quero-te só para mim!... Depois de tanto tempo afastadas e sabendo de antemão que o teu horário é aida mais impossível que o meu... Quero-te agora! Falta mesmo aquele abraço... Falta tudo o que te (me) aconteceu nestes quase dois anos, falta o tempo que não tivemos...
Amanhã voltarei passear e procurarei por ti, pelo pouco tempo que a etiqueta dos permitir... Depois de te ver não consigo abarcar a saudade...
Praia
O mar é azul de tinta, o sol desvaira de gritos nas riscas vermelhas dos toldos, ondas rolam mansamente do alto, estendem as mãos às crianças, corpos bronzeados de linhas firmes
[...]
senhoras sopradas no volume e na idade fazem tricot à sombra, têm gestos sérios para os pares de namorados
[...]
atletas exemplificam o seu vigor em saltos e pontapés, para os toldos apartados alastram-se famílias numerosas, chapéus, lenços, coletes abotoados até cima
[...]
pescadores sorriram e continuaram a remendar os seus carrinhos de uma brancura de leite.
É bom saber que há coisas que pouco ou nada mudam... Este conto soube bem no meio da praia...
[...]
senhoras sopradas no volume e na idade fazem tricot à sombra, têm gestos sérios para os pares de namorados
[...]
atletas exemplificam o seu vigor em saltos e pontapés, para os toldos apartados alastram-se famílias numerosas, chapéus, lenços, coletes abotoados até cima
[...]
pescadores sorriram e continuaram a remendar os seus carrinhos de uma brancura de leite.
Vergílio Ferreira
É bom saber que há coisas que pouco ou nada mudam... Este conto soube bem no meio da praia...
As duas margens da praia
Sabes, sinto-me dividida. Penso se não estarei a deixar escapar parte da minha vida. Falta uma peça neste puzzle. Eu espero até que ela apareça de algum recanto escondido e inesperado (como as pessoas dizem...) Não, calo-me porque me falta a metáfora...
Estas férias pesam-me na consciência. Um pouco... Cheiro a parte interior do cotovelo (como dizia no livro)... Cheiro a pêssego e after sun. Suspiro e afago o cabelo...
Tu olhas para mim confuso, mas não dizes nada, como se esperasses que aabasse de formular o meu pensamento. Vê se percebes...
Estas férias são uma interrupção de mim, da minha vida, da euforia esgotante da rotina. Eu numa praia com os meus livros, eu a passaer de noite, eu a dormir a sesta, a redescobrir o prazer de cantar enquanto lavo a roupa à mão, o gosto da fruta sumarenta, eu no meio do vazio... á para fora cá dentro!... O inesgotável prazer de ter um livro no regaço por 175 páginas... Apoio a cara nas mãos. Cheiram a pêras e ameixas frescas.
Tu aidna não percebeste qual éo meu problema. Acho que me censuras com o olhar, como se quisesses dizer que tenho sempre um problemas, que não sei viver sem um! Talvez tenhas razão...
Por outro lado... Será que eu devia dormitar no meu casulo? Olho para os jovens da minha idade e sinto (e tenho medo) que estou a perder alguma coisa. A rotina já se sabe como é! Correrias meses a fio, e agora nas férias fecho a lojae tranco-me dentro de mim, entro em sono estival... Não me sinto à vontade para deixar "o que há-de vir" (e quem há-de vir) nas mãos do destino e depois construir diques e barragens...
Tu tores o nariz e abres os olhos em tom de aviso. O assunto proibido. Aquele que colocámos em pousio. (Já sei! Já me calo!). Simplesmente não quero sentir-me culpada pela falta da peça do puzzle. Não é uma questão de ansiar, procurar, suspirar... é uma questão de consciência.
Não consigo imaginar o que me possas dizer. Tenho a mente vazia e confusa...
Após uma pausa encolhes os ombros como quem diz que não se pode ter tudo. Odeio quando me dizem isso! Lembro-me sempre de quando o meu pai quis que escolhece entre a dança e o canto porque não iria conseguir manter os dois, mas eu desdobrei-me toda e lá consegui o impossível... mas este é outro caso.
Parece-me que se trata de abdicar de fazer parte daquilo que gosto por uma suposição, um tiro no escuro... Postas as coisas desta forma apetece-me deixar tudo como está e o destino que se esforce por ultrapassar os diques! Por outro lado a responsabilidade pela peça que ainda não foi encontrada...
Quero que me faças festilhas no cabelo, que me aconselhes e que me digas que escolha eu o que escolher que as coisas irão acabar por correr bem...
Estas férias pesam-me na consciência. Um pouco... Cheiro a parte interior do cotovelo (como dizia no livro)... Cheiro a pêssego e after sun. Suspiro e afago o cabelo...
Tu olhas para mim confuso, mas não dizes nada, como se esperasses que aabasse de formular o meu pensamento. Vê se percebes...
Estas férias são uma interrupção de mim, da minha vida, da euforia esgotante da rotina. Eu numa praia com os meus livros, eu a passaer de noite, eu a dormir a sesta, a redescobrir o prazer de cantar enquanto lavo a roupa à mão, o gosto da fruta sumarenta, eu no meio do vazio... á para fora cá dentro!... O inesgotável prazer de ter um livro no regaço por 175 páginas... Apoio a cara nas mãos. Cheiram a pêras e ameixas frescas.
Tu aidna não percebeste qual éo meu problema. Acho que me censuras com o olhar, como se quisesses dizer que tenho sempre um problemas, que não sei viver sem um! Talvez tenhas razão...
Por outro lado... Será que eu devia dormitar no meu casulo? Olho para os jovens da minha idade e sinto (e tenho medo) que estou a perder alguma coisa. A rotina já se sabe como é! Correrias meses a fio, e agora nas férias fecho a lojae tranco-me dentro de mim, entro em sono estival... Não me sinto à vontade para deixar "o que há-de vir" (e quem há-de vir) nas mãos do destino e depois construir diques e barragens...
Tu tores o nariz e abres os olhos em tom de aviso. O assunto proibido. Aquele que colocámos em pousio. (Já sei! Já me calo!). Simplesmente não quero sentir-me culpada pela falta da peça do puzzle. Não é uma questão de ansiar, procurar, suspirar... é uma questão de consciência.
Não consigo imaginar o que me possas dizer. Tenho a mente vazia e confusa...
Após uma pausa encolhes os ombros como quem diz que não se pode ter tudo. Odeio quando me dizem isso! Lembro-me sempre de quando o meu pai quis que escolhece entre a dança e o canto porque não iria conseguir manter os dois, mas eu desdobrei-me toda e lá consegui o impossível... mas este é outro caso.
Parece-me que se trata de abdicar de fazer parte daquilo que gosto por uma suposição, um tiro no escuro... Postas as coisas desta forma apetece-me deixar tudo como está e o destino que se esforce por ultrapassar os diques! Por outro lado a responsabilidade pela peça que ainda não foi encontrada...
Quero que me faças festilhas no cabelo, que me aconselhes e que me digas que escolha eu o que escolher que as coisas irão acabar por correr bem...
Memórias de fantasmas
Nestes dias ociosos conversa-se. Recordam-se histórias e pessoas. Visitam-se sotãos poeirentos da memória.
Tu e ele seriam grandes amigos. A frase não me sai da cabeça. E é engraçado porque não tinham nenhuma relação de sangue, mas tinham a mesma mania dos livros! Igualzinha!... Tu nestas alturas lembras-me dele, com o nariz sempre enfiado num livro...
Um fantasma que não me lembro. E tenho pena. Lamento o que não posso ter. Nos dias de hoje ele seria para mim como o velhinho da livraria na Bela e o Monstro. Sim, seria o meu velhinho...
E torna-se numa personagem de quem gosto de ouvir falar. Histórias atrás de histórias... O teu tio assim e assado cozido e temperado...
Suspiro... Continuarei a minha epopeia literária sozinha, sem o meu velhinho, sem quem sei qu me guiaria tão bem por esses mares para mim (ainda) grandemente desconhecidos. (Nem sequer bookclub tenho!...)
Tento recuperar algo desse império perdido. Quero ler o que ele leu, cunhar como ele cunhou. O mesmo símbolo, como se assim não só estivesse a criar o meu próprio império, como a perpetuar o dele...
Tu e ele seriam grandes amigos. A frase não me sai da cabeça. E é engraçado porque não tinham nenhuma relação de sangue, mas tinham a mesma mania dos livros! Igualzinha!... Tu nestas alturas lembras-me dele, com o nariz sempre enfiado num livro...
Um fantasma que não me lembro. E tenho pena. Lamento o que não posso ter. Nos dias de hoje ele seria para mim como o velhinho da livraria na Bela e o Monstro. Sim, seria o meu velhinho...
E torna-se numa personagem de quem gosto de ouvir falar. Histórias atrás de histórias... O teu tio assim e assado cozido e temperado...
Suspiro... Continuarei a minha epopeia literária sozinha, sem o meu velhinho, sem quem sei qu me guiaria tão bem por esses mares para mim (ainda) grandemente desconhecidos. (Nem sequer bookclub tenho!...)
Tento recuperar algo desse império perdido. Quero ler o que ele leu, cunhar como ele cunhou. O mesmo símbolo, como se assim não só estivesse a criar o meu próprio império, como a perpetuar o dele...
Reflexões frustradas
Há noites em que as fugas são impossíveis. Calma e sossego uma utopia. A areia debaixo dos pés não diz muito com tantos miúdos a jogar futebol na praia, a algazarra que se sobrepõe às ondas do mar. Estou pensativa, mas a noite comporta demasiada gente para as minhas reflexões. Quero um daqueles momentos de filme, não por ser de filme, mas porque quero meditar sozinha cá fora. Impossível! E não há phones que apaguem o mundo fora de mim. Não há bolinhas de sabão que alcancem a lua cheia... Não há solidão que me abrace nesta ânsia romântica...
Sunday, August 06, 2006
Horário de férias
7:00 / 7:30 - acordar
7:50 - ir ao pão
8:10 - pequeno-almoço
9:00 - chegada à praia (ler, estender na areia, um passeio à beira mar, dois mergulhos)
12:30 - chegada a casa para mudar de roupa
13:00 - almoço em restaurante à beira mar
14:00 - lavar a roupa do dia anterior
14:30 - sesta
15:00 - leitura e lanche
17:00 - chegada à praia (ler, estender na areia, um passeio à beira mar, dois mergulhos)
19:00 - chegada a casa (banho, arranjar jantar)
20:00 - jantar (ver friends)
21:20 - passeio por Armação de Pêra (paragem para gelado!)
22:00 - chegada a casa (sudoku, ler, escrever)
23:30 - dormir
Adoro as férias! Não quero mudar. Tenho pena de não poder fazer algumas coisas mas é mesmo assim. A minhas férias são a minha vida interrompida. E uma vez no ano sabe bem...
7:50 - ir ao pão
8:10 - pequeno-almoço
9:00 - chegada à praia (ler, estender na areia, um passeio à beira mar, dois mergulhos)
12:30 - chegada a casa para mudar de roupa
13:00 - almoço em restaurante à beira mar
14:00 - lavar a roupa do dia anterior
14:30 - sesta
15:00 - leitura e lanche
17:00 - chegada à praia (ler, estender na areia, um passeio à beira mar, dois mergulhos)
19:00 - chegada a casa (banho, arranjar jantar)
20:00 - jantar (ver friends)
21:20 - passeio por Armação de Pêra (paragem para gelado!)
22:00 - chegada a casa (sudoku, ler, escrever)
23:30 - dormir
Adoro as férias! Não quero mudar. Tenho pena de não poder fazer algumas coisas mas é mesmo assim. A minhas férias são a minha vida interrompida. E uma vez no ano sabe bem...
Perfume # 4
People suspected the gypsies. Gyspies were capable of anything. Gypsies were know to weave carpets out of old clothes and to stuff their pillows with human hair and to make dolls out of the skin and teeth of the hanged. Only gypsies could be involved in such a perverse crime. There were, however, no gypsies around at the time, not a one near or far; gypsies had last come through the area in December.
For lack of gypsies, people decided to suspect the Italian migrant workers. But there weren't any Italian around either, it was too early in the year for them; they would first arrive in the region in June, at the time of the jasmine harvest, so it could not have been the Italians either. Finally the wigmakers came under suspicion, and they were searched for the hair of the murdered girl. To no avail. Then it was the Jews who were suspect, then the monks of the Benedictine cloister, reputedly a lecherous lot -although all of them were well over seventy - then the Cistercians, then the Freemasons, the the lunatics from the charité, then the charcoal-burners, then the beggars, and last but not least the nobility, in particular the Marquis de Cabris, for he had already been married three times and organized - so it was said - orgiastic black masses in his cellars, where he drank the blood of virgins to increase his potency. Of course nothing definitive could be proved. No one had witnessed the murder, the clothes and hair of the dead woman were not found. After several weeks the police lieutenant halted his investigation.
For lack of gypsies, people decided to suspect the Italian migrant workers. But there weren't any Italian around either, it was too early in the year for them; they would first arrive in the region in June, at the time of the jasmine harvest, so it could not have been the Italians either. Finally the wigmakers came under suspicion, and they were searched for the hair of the murdered girl. To no avail. Then it was the Jews who were suspect, then the monks of the Benedictine cloister, reputedly a lecherous lot -although all of them were well over seventy - then the Cistercians, then the Freemasons, the the lunatics from the charité, then the charcoal-burners, then the beggars, and last but not least the nobility, in particular the Marquis de Cabris, for he had already been married three times and organized - so it was said - orgiastic black masses in his cellars, where he drank the blood of virgins to increase his potency. Of course nothing definitive could be proved. No one had witnessed the murder, the clothes and hair of the dead woman were not found. After several weeks the police lieutenant halted his investigation.
Implosões (e explosões)
Sou uma daquelas pessoas implosivas. Aquelas que muitas vezes calam as coisas que querem dizer e guardam os cacos nas suas próprias despensas interiores. Depois, quando um dia o depósito estives cheio, cheio até transbordar, rebentam. É o que se chama "partir a loiça toda". Mas como os cacos não têem identificação própria (disso não faço listas) rebento por uma gota a mais mas não sei explicar o resto. Por que esqueci o motivo das outras discussões, ficou apenas a mágoa e os cacos.
E implodir está mal, todos me dizem. Sim ,também concordo. Tento emendar a minha natureza. E passo a reclamar, queixo-me, digo de minha justiça, uso sarcasmo e "não levo desaforos para casa". Chamam-me respondona, picuinhas, chata e peneirenta. E eu sinto-me tudo isso e infantil também. Olham para mim de cima abaixo, incrédulos, como se estivesse possuída pelo diabo e dizem:
Que se passa contigo Joana? Tu não eras assim!...
Não gosto de implodir, mas estas explosões constantes não me parecem solução. Deve haver um meio termo.
Hoje não disse nada. Não valia a pena comprar mais uma discussão, ainda por cime para cair em saco roto. Como sempre.
Oh Joana, tu estás chateada?
(não respondo)
Tia deixe-a estar. Ela hoje está naquela altura do mês...
(agarro os talheres com força e não respondo)
Apeteceu-me mesmo responder. Dizer que nem tudo se rege por leis fisiológicas. Por vezes tenho razão (e direito) de estar chateada. E cuspir, vomitar todos os sapos que engoli pelo caminho. Mas não vale a pena a frustração de discutir com quem não ouve. Só iria sentir-me pior depois. Desta vez vou deixar passar. Deixo passar umas ao lado propositadamente.
Será isto o meio termo? Onde está? Como é? Não há livro de instruções... Queria (saber) lidar com isto como os adultos... Rio-me... pensando bem eles também não me parecem saber...
E implodir está mal, todos me dizem. Sim ,também concordo. Tento emendar a minha natureza. E passo a reclamar, queixo-me, digo de minha justiça, uso sarcasmo e "não levo desaforos para casa". Chamam-me respondona, picuinhas, chata e peneirenta. E eu sinto-me tudo isso e infantil também. Olham para mim de cima abaixo, incrédulos, como se estivesse possuída pelo diabo e dizem:
Que se passa contigo Joana? Tu não eras assim!...
Não gosto de implodir, mas estas explosões constantes não me parecem solução. Deve haver um meio termo.
Hoje não disse nada. Não valia a pena comprar mais uma discussão, ainda por cime para cair em saco roto. Como sempre.
Oh Joana, tu estás chateada?
(não respondo)
Tia deixe-a estar. Ela hoje está naquela altura do mês...
(agarro os talheres com força e não respondo)
Apeteceu-me mesmo responder. Dizer que nem tudo se rege por leis fisiológicas. Por vezes tenho razão (e direito) de estar chateada. E cuspir, vomitar todos os sapos que engoli pelo caminho. Mas não vale a pena a frustração de discutir com quem não ouve. Só iria sentir-me pior depois. Desta vez vou deixar passar. Deixo passar umas ao lado propositadamente.
Será isto o meio termo? Onde está? Como é? Não há livro de instruções... Queria (saber) lidar com isto como os adultos... Rio-me... pensando bem eles também não me parecem saber...
Perfume - poor doggy!
He first tried it with a puppy. He enticed it away from its mother with a piece of meat, all the way from the slaughter-house to the laboratory, and as the animal panted excitedly and lunged joyfully for the meat in Grenouille's left hand, he gave one quick, hard blow to the back of its head with a piece of wood he held in his right. Death descended o the puppy so suddenly that the expression of happiness was still on its mouth and in its eyes long after Grenouille had bedded it down in the impregnating room on a grate between tow greased plates, where it exuded its pure doggy scent, unadulterated by the sweat of fear. To be sure, one had to be careful! Carcasses, just as plucked blossoms, spoiled quickly. And so Grenouille stood guard over his victim, for about twelve hours, until he noticed that the first wisps of carrion scent - not really unpleasant, but adulterating nevertheless - rose up from the dog's body. He stopped the enfleurage at once, got rid of the carcass, and put the impregnated oil in a pot, where he carefully rinsed it. He distilled the alcohol down to about a thimbleful and filled a tiny glass tube with these few remaining drops. The perfume smelled clearly of dog - moist, fresh, tallowy and a bit pungent. It smelled amazingly like dog. And whe Grenouille let the old bitch at the slaughter-house sniff at it, she broke out in yelps of joy and whimpered and would not take her nose out of the glass tube. Grenouille closed it up tight and put it in his pocket and bore it with him for a long time as as souvenir of his day of triumph, when for the first time he had succeeded in robbing a living creature on its aromatic soul.
De todas as mortes a do cão foi a que me impressionou mais... chamem-me insensível se quiserem, mas coitado do cachorrinho!
De todas as mortes a do cão foi a que me impressionou mais... chamem-me insensível se quiserem, mas coitado do cachorrinho!
Manifesto anti-Noddy
Na rua principal por onde passo todos os dias (várias vezes ao dia) há um daqueles carrinhos nos quais se insere uma moedinha de um euro para as crianças andarem no carro que se mexe para cima e para baixo com música. Ráios partam! - este ano é o "Noddy no seu carro amarelo"! A porcaria do genérico dispára a cada dois minutos. Escusado será dizer que cada vez que tal acontece todas as crianças num raio de 15 metros (minimo) desatam a cantar e merda da música!
Começo a achar que o Noddy é uma espécie de pré-anti-Cristo que possui as criancinhas como o tocador de flauta no conto infantil. E nessa altura lembro-me da memorável cena da "Múmia" quando o povo, cheio de chagas e pústulas se ergue de braços esticados bradando "Imotep!", e as minhas certezas aumentam.
Isto tudo acompanhado de uma explosão comercial alucinante. Todos sabemos que no Algarve três em cada cinco estabelecimentos comeciais se destinam a vender artigos de praia. Pois bem, este ano metade deles diz "Algarve ou "Portugal", a outra metade faz parte do movimento Noddy que leva os putos que ainda não descobriram a Floribella ou os Morangos com Açúcar à histeria total. Estamos cercados! Ate já há restaurantes em que o menu infantil se passou a chamar "menu noddy"!
É o fim do mundo como o conhecemos. Um mundo novo em que a Barbie perdeu grande parte da sua importância (ou a divide com bonecas que claramente meteram botox nos lábios) e os Power Ranger são finalmente vistos como uma chachada televisiva (nem tudo é mau!).
Abaixo o Noddy! Sugiro que tragam de volta séries como o Dragon Ball, Navegante da Lua, Flinstones, Captain Planet, Dartacão, Babar, etc... Vamos recuperar a sanidade mental infantil! Esperamos ainda ir a tempo...
Começo a achar que o Noddy é uma espécie de pré-anti-Cristo que possui as criancinhas como o tocador de flauta no conto infantil. E nessa altura lembro-me da memorável cena da "Múmia" quando o povo, cheio de chagas e pústulas se ergue de braços esticados bradando "Imotep!", e as minhas certezas aumentam.
Isto tudo acompanhado de uma explosão comercial alucinante. Todos sabemos que no Algarve três em cada cinco estabelecimentos comeciais se destinam a vender artigos de praia. Pois bem, este ano metade deles diz "Algarve ou "Portugal", a outra metade faz parte do movimento Noddy que leva os putos que ainda não descobriram a Floribella ou os Morangos com Açúcar à histeria total. Estamos cercados! Ate já há restaurantes em que o menu infantil se passou a chamar "menu noddy"!
É o fim do mundo como o conhecemos. Um mundo novo em que a Barbie perdeu grande parte da sua importância (ou a divide com bonecas que claramente meteram botox nos lábios) e os Power Ranger são finalmente vistos como uma chachada televisiva (nem tudo é mau!).
Abaixo o Noddy! Sugiro que tragam de volta séries como o Dragon Ball, Navegante da Lua, Flinstones, Captain Planet, Dartacão, Babar, etc... Vamos recuperar a sanidade mental infantil! Esperamos ainda ir a tempo...
Vindo do nada
Ontem a minha tia-avó (de oitenta e quatro, por sinal) disse que eu era "fixe". Fiquei orgulhosa (tipo anúncio frize!) e naturalmente surpreendida...
Perfume - egocentrismo
And he spread his arms wide to receive the angel storming down upon him. He already could feel the thrust of the dagger or sword tickling so wonderfully at his breast - finally, finally, something in his heart, something other than himself!
Wednesday, August 02, 2006
Perfume - o "novo" mundo
Este livro desperta-me para uma "outra" realidade. Ainda só vou nas primeiras páginas e já sinto algo muda(n)do em mim. O cheiro... A (nova) importância do cheiro... Porque é dos sentidos mais desprezados. Não temos tempo para cheirar!, para nos demorar-mos a criar memórias olfativas. Quanto mais penso nisto mais acredito. O olfacto é um sentido preferencialmente de alerta - Cheira a queimado! Cheira a gás! Há algo estragado dentro do frigorífico! (...)
E agora um livro sobre o cheiro... O cheiro das pessoas, de cada pessoa, dos sítios, das circunstâncias... Como uma imensa paleta de cores ou um grande panelão de roupa velha no Natal.
Agora, longe do mundo de todos os dias, ando pelas ruas e inspiro bem fundo Farejo todo o caminho para casa. Cheira a mar, cheira a peixe, a borracha ao sol. Cheira a pés salgados, a carne na brasa, a gelados e a crepes, cheira a cão com, banho de mar, cheira a crianças cheias de areia... Todo um mundo imenso que nunca valorizei...
E agora um livro sobre o cheiro... O cheiro das pessoas, de cada pessoa, dos sítios, das circunstâncias... Como uma imensa paleta de cores ou um grande panelão de roupa velha no Natal.
Agora, longe do mundo de todos os dias, ando pelas ruas e inspiro bem fundo Farejo todo o caminho para casa. Cheira a mar, cheira a peixe, a borracha ao sol. Cheira a pés salgados, a carne na brasa, a gelados e a crepes, cheira a cão com, banho de mar, cheira a crianças cheias de areia... Todo um mundo imenso que nunca valorizei...
Refrescar vocabulário
Conviver com pessoas de idade é interessante em termos de vocabulário. Hoje redescobri as palavras "badagaio" e "marmita".
Sentidos refrescados
Deixei o som dos grilos em Lisboa. Aqui aventuro-me por mares literários ao som das gaivotas e adormeço com o apregoar fantástico do circo. Sentada na varanda corre uma brisa agradável. O sol permanece no céu enquanto a hora de jantar se aproxima. Levanto-me. Apoio-me na varanda, o mármore ainda morno da tarde escaldante. Espreito lá para baixo, para as pessoas que passam. Cada uma com a sua quota-parte de parafernália de praia. Aqui de cima parece um pequeno e fragmentado arrail de cores. Pareos, cadeiras e chapéus de praia, toalhas, baldes e pás de criança, bóias, colchões insufláveis, bonés, malas e sacos térmicos...
Sorrio e respiro fundo. Sabe a mar e a sol...
Sorrio e respiro fundo. Sabe a mar e a sol...
Tuesday, August 01, 2006
Saudade que sufoca
Quase de partida. Enquanto fecho a mala parece que há qualquer coisa dentro de mim que acabo de trancar. Pequenas vibrações correm pelo corpo, como que um organismo que pede ar fresco. Pesa no coração... "São só quinze dias", tenho de repetir mais uma vez. "É perfeitamente suportável. Não sejas absurda!"... Mas dói. Como sarcófagos arranhados por dentro depois de selados. Custa-me mais que a saudade das pessoas. Salsa... voltamos sempre ao mesmo... O coração que bate em compasso quaternário de repente tem de bater em solo por tantos dias a fio. Os sapatos de dança afagam a mala, como que querendo entrar. "São só quinze dias! São só quinze dias..." Respiro fundo e tudo parece sossegar, ainda que uma sensação de algo contra-natura teime em persistir... E sigo para sul, com uma parte de mim a menos...
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