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Thursday, May 28, 2009

Castaway

Ser um náufrago é ser um ponto perpetuamente no centro de um círculo. Por mais coisas que pareçam mudar - o mar pode passar do murmúrio à raiva, o céu podia ir de um azul fresco para o branco ofuscante e o negro mais carregado -, a geometria nunca muda. O nosso olhar é sempre um raio. A circunferência nunca é grande. Na verdade, os círculos multiplicam-se. Ser um náufrago é ser apanhado num angustiante bailado de círculos. Estamos no centro de um círculo, enquanto por cima de nós dois círculos opostos giram. O Sol atormenta-nos como uma multidão, uma multidão ruidosa e invasora que nos faz querer esconder-nos. A Lua atormenta-nos, lembrando-nos silenciosamente a nossa solidão; abrimos muito os olhos para escapar à solidão. Quando olhamos para cima, por vezes interrogamo-nos se no centro de uma tempestade solar, se no meio do Mar da Tranquilidade, não haverá outro como nós também a olhar, também aprisionado pela geometria, também a lutar contra o medo, a raiva, a loucura, a desesperança, a apatia.
A vida de Pi, Yann Martel

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