Volto para casa. Uma viagem à Nossa Senhora da Asneira, como dizia a minha avó. Perdi o autocarro e voltei para trás. Está frio. Se calhar é só psicológico, o meu estado de espírito mais confuso e vulnerável. Mãos nos bolsos. Já é de noite e a sigo a minha sombra até casa. Pearl Jam no ouvido - Parachutes (que ficou), Army Reserve, Come back ... Penso com os meus passos. Na minha vida, nas decisões iminentes que tenho de tomar. Vejo o meu reflexo nas montras. Sigo em frente, acompanhada pelo tilintar feminino dos brincos. E de repente, por uns segundos, as ruas familiares de Lisboa soam a Nova Iorque. Os meus problemas parecem os de uma personagem de uma série qualquer em Nova Iorque. E rio comigo, pensado em como seria bom que as patetices que escrevo aqui servissem como ganha-pão. Como se houvesse um grande plano televisivo do meu monitor enquanto escrevo... Respiro fundo e atravesso a estrada. Ruas desertas, ruas amareladas pelos candeeiros. Mais uma vez o tal assunto.
Porque não vais para interprete? Podias trabalhar num consulado ou numa embaixada, ou até mesmo na U.E! ... Não faças essa cara, Joana, cada vez funcionamos mais a nível europeu e se escolheste Línguas agora tens de te sujeitar! Vais ter de te habituar à ideia de trabalhar e, quem sabe até?, viver num país estrangeiro... Desligo o interruptor mental e calo o resto da conversa.
Será assim tão mau querer ficar no meu país? Ter um emprego pacato, sim, variar de vez em quando, talvez fazer umas traduções em part-time... É esta conversa que me desanima ao ponto de não ter palavras ou metáforas... Não é preguiça, é... afeição. Tenho um temperamento de madeira e quero criar raízes. Sim, é muito cedo para "assentar", mas mesmo assim, que mal teem as raízes? Os laços que não quero desfazer?... Não tenho jeito para adaptações humanas, para socializar, para... nem sei!
Tens de ir à luta, Joana. Nada te vai cair no colo, tens de te mexer! Ir para o estrangeiro, não queres conhecer o mundo? Mas não tens curiosidade? Uma cultura nova, pessoas novas! ... Sim, quero "conhecer o mundo", quero sair por aí e farejar o mundo e precepcioná-lo pessoalmente, ver com os meus olhos, sentir os cheiros, decorar os sons, torná-los todos meus... mas quero voltar! Quero a minha casinha, quero esta Ocidental praia Lusitana... Quero educar os meus filhos na língua de Camões. Quero pacatas livrarias, bibliotecas cheias de livros mil e uma vezes folheados, quero editores e tradutores, explicadores, professores... talvez um consulado ou uma embaixada aqui... tratar do mundo lá fora cá dentro...
Porque não podemos ser uma aldeia de hobbits? Porque não podemos atingir todo o nosso potencial aqui, porque é que temos de "atingir todo o nosso potencial"? Mais uma vez, não é preguiça, é saber quanto custa reconstruir amizades, conquistar uma cidade com os sentidos, viver uma independência por partilhar... É abandonar o que amo. Quem amo. Não quero sentir uma lágrima a formar-se com a visão de uma planície alentejana pendurada num quarto estrangeiro.
Não quero sentir o destino a arrastar-me como uma ventosa. Esse chamamento pútrido. Eu quero sentir o sol fraco numa manhã de Primavera, o sabor de uma taça de arroz doce caseiro, quero as ruas onde me perdi, onde chorei, onde cantei, onde tanta coisa se passou... Quero aquele nome tornado realidade na minha vida - Kathleen Kelly...
3 comments:
Os teus problemas são a minha realidade de segunda-feira(18 setembro). Vou abandonar tudo, mesmo que seja por alguns meses, amigos, os meus espaços, os meus livros, a cidade que eu amo.Vou para uma casa que nem decoração tem, com duas malas, ingressar numa universidade gigantesca. Vou-me tentar safar, com a minha solidão.Mas vou Lutar.
Just remember that however much your dad may talk, ultimately it's your choice. no one else's.
just go witht the flow. regardless of punctual murphy-law related incidents, things usually do turn out for the best:D
you'll see ;)
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"tens de", "fazes assim", "mas então e que tal isto e aquilo", opiniões, todas elas aceitas, todas elas dignas de serem ditas, partilhadas, até quase influenciadas. mas chega uma altura em que mói. a vida é tua. as escolhas são tuas. os sonhos são teus. e às vezes temos de fazer asneiras mesmo mas fazê-las por nós. para depois perceber qual é o nosso caminho afinal. sim, podes ser intérprete, podes ser tradutora, no fundo podes ser o que tu quiseres. podes ir ou podes ficar. desde que seja essa a tua vontade. e o resto, o resto acaba por não passar de conversa. porque por mais que se fale, vais ser tu a passar pelas situações.
beijo grande*
"criar raízes", também gosto muito disso :)
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